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terça-feira, 29 de maio de 2012

3º Blogprog: Nada mais do que a Constituição



Foto: Manoel Porto
Neste final de semana aconteceu em Salvador, Bahia, o III Encontro Nacional dos Blogueiros, o Blogprog. Foi-se mais uma página desta história que ativistas digitais de todo o Brasil estão construindo desde agosto de 2010, quando o movimento foi lançado no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo. Nesta edição, a principal decisão foi a de realizar ações institucionais e de rua com o mote: “Nada Além da Constituição”. Ou seja, a blogosfera brasileira exige que a Constituição no capítulo das comunicações seja cumprida. Até por conta disso, será solicitada audiência o presidente do Senado, José Sarney, solicitando que ele reinstale o Conselho de Comunicação, desativado desde 2005. Segue a carta deste último encontro.


Carta de Salvador

A participação de quase 300 ativistas digitais de todo o país, no III Encontro Nacional de Blogueiro@s, realizado entre os dias 25 e 27 de maio em Salvador, na Bahia, consolidou o primeiro ciclo do mais importante movimento digital do Brasil, iniciado em agosto de 2010.

Surgido como uma reação aos monopólios de mídia, que se baseiam num modelo usurpador quase que exclusivamente voltado à defesa dos interesses do grande capital em detrimento das aspirações populares, o movimento nacional dos Blogueiros e Blogueiras Progressistas desdobrou-se em inúmeros encontros municipais, regionais e estaduais, além de três encontros nacionais (São Paulo, Brasília e Salvador) e um internacional, realizado, em outubro de 2011, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná.

Neste curto espaço de tempo, este movimento ganhou legitimidade política e enorme dimensão social. Foi capaz de influir fortemente no debate sobre a necessidade de se democratizar a comunicação no Brasil. Em suma, temos saído vitoriosos nesta guerra dura contra a mídia ainda hegemônica. Lutamos com as armas que temos, todas baseadas na crescente força da blogosfera e das redes sociais.

O principal reflexo dessa atuação, ao mesmo tempo organizada e fragmentada, tem sido o incômodo permanente causado nos setores mais conservadores e reacionários da velha mídia nacional, um segmento incapaz não apenas de racionalizar a dimensão do desafio que tem pela frente, mas totalmente descolado das novas realidades de comunicação e participação social ditadas, inexoravelmente, pelas novas tecnologias. Apegam-se, de forma risível, a um discurso tardiamente articulado de defesa das liberdades de imprensa e de expressão, conceitos que mal entendem, mas que confundem, deliberadamente, para manipular o público em favor de interesses inconfessáveis. Posam, sem escrúpulo algum, de defensores de uma liberdade que não passa, no fim das contas, da liberdade de permanecerem à frente dos oligopólios de comunicação que tantos danos têm causado à democracia brasileira. Para tal, chegam a pregar abertamente restrições à internet, apavorados que estão com a iminente ruína de um modelo de negócios em franca crise em todo o mundo, com a queda de tiragem da mídia impressa e da audiência da radiodifusão, com consequências diretas no processo de captação de receita publicitária.

Para tornar ainda mais nítida e avançada a discussão sobre a democratização da comunicação no Brasil, o III BlogProg decidiu concentrar suas energias, daqui em diante, em duas questões fundamentais.

A primeira é a luta por um novo marco regulatório das comunicações assentado em uma Lei de Mídia capaz de estabelecer formalmente a questão da comunicação como um direito humano essencial. Neste sentido, o III BlogProg decidiu interagir com a campanha do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Campanha esta que visa pressionar o governo federal, de modo a desencadear de imediato o debate sobre este tema estratégico para toda a sociedade brasileira.

A segunda batalha decisiva é a de reforçar a defesa da ação da blogosfera e das redes sociais diante do constante ataque de setores conservadores estimulados e financiados pela velha mídia. Trata-se de um movimento articulado, inclusive, no Congresso Nacional, com o objetivo de criar obstáculos e amarras capazes de cercear a livre circulação de ideias pela internet, além de criminalizar o ativismo digital. Em outro front, cresce a judicialização da censura, feita com a cumplicidade de integrantes do Poder Judiciário, utilizada para tentar asfixiar financeiramente blogs e sítios hospedados na rede mundial de computadores. Mais preocupante é o aumento de casos de violência contra Blogueiros e ativistas digitais em todo o país, inclusive com assassinatos, como no caso dos Blogueiros Edinaldo Filgueira, do Rio Grande do Norte, e Décio Sá, do Maranhão.

A nossa luta, portanto, não é a luta de um grupo, mas de toda a sociedade pela neutralidade e pela liberdade na rede. É pela implantação de uma cultura solidária e democrática do uso e da difusão das informações. É uma luta pela igualdade das relações desse uso com base única e exclusivamente no que diz e manda a Constituição Federal, a mesma Carta Magna que proíbe tanto o monopólio da comunicação como a propriedade de veículos de comunicação por parte de políticos – duas medidas solenemente ignoradas pelas autoridades, pelos agentes da lei e, claro, pelos grupos econômicos que há décadas usufruem e se locupletam desse estado de coisas.

Para tanto, este III Encontro adota – como norte para orientar a nova fase da luta – uma ideia simples e direta: Nada além da Constituição!

As bandeiras da liberdade de informação e de expressão, assim como a da universalização do acesso à banda larga, são nossas. Qualquer tentativa de usurpá-las – ainda mais por parte de quem jamais defendeu a democracia no Brasil – é uma manipulação inaceitável.


Publicado no Blog do Rovai 

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O resultado do choque de gestão em Minas Gerais


fotógrafa Taís Ferreira.

Recentemente, o Sind-UTE MG apresentou à sociedade mineira um dossiê da educação básica pública estadual. De acordo com levantamento feito pela entidade, o Estado de Minas Gerais apresenta sérios problemas relacionados a qualidade e investimento em educação e a valorização dos profissionais da educação. Acompanhe alguns dados do dossiê:

- De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), apenas 30,7% dos estudantes da rede estadual encontram-se num estágio recomendável em leitura, 18,8% em nível recomendável em matemática e 25% em nível recomendável em ciências.

 - Apenas 35% das crianças mineiras até cinco anos frequentam estabelecimentos de ensino.

- Das escolas de ensino fundamental da rede estadual, 76%não possuem laboratório de ciências, 55% não possuem quadra de esporte e 11% não possuem biblioteca.

- A escolaridade média da população adulta mineira é de 6,9 anos. De acordo com o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado, 93,4% das crianças de 6 a 14 anos estão na escola, mas apenas 68% dos adolescentes de 16 anos conseguem concluí-lo e somente 48,5% dos jovens de 19 anos também.

- Nos últimos 6 anos, houve uma redução de matrículas no ensino médio de 14,18%. O passivo de atendimento acumulado no Ensino Médio Regular, entre 2003 e 2011, seria de 9,2 milhões de atendimentos. Isso quer dizer que nem todos os adolescentes tiveram o direito garantido de estudar.

- O Estado de Minas Gerais, quando comparado à média nacional, tem a pior colocação em qualidade da escola de Ensino Médio: 96% das escolas não têm sala de leitura, 49% não têm quadra de esportes e 64% não têm laboratório de ciências.

- Contrariando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) a Resolução 449/2002 do Conselho Estadual de Educação e o Estatuto da Criança e Adolescente, a Secretaria de Estado orientou para 2012 a organização de turmas multisseriadas.
- De acordo com o Educacenso, no triênio 2009/2011 houve uma redução de matrículas de 8,32% na escola de tempo integral. Analisando apenas os anos finais do ensino fundamental, a quede foi de 14,4%.

- O Governo de Minas, através da Lei Estadual 19.837/11 congelou a carreira dos profissionais da educação até 2015.

- De acordo com a Resolução 2.018/12 profissionais são obrigados a assumir aulas de disciplinas sem ter a formação correspondente. Há professores sendo obrigados a assumir a regência de até 8 disciplinas diferentes.

- Os profissionais da educação vivenciam constantes situações de violência no ambiente escolar sem qualquer política preventiva, não têm a garantia de 1/3 da sua jornada dedicada a estudo, planejamento e avaliação conforme definido pela lei federal 11.738/08. Os projetos são desenvolvidos sem qualquer interlocução com o profissional da educação, tempo do professor é definido sem a sua participação, o currículo da escola é estabelecido por quem não está na escola, não há um referencial político pedagógico.

Estes problemas resultam de uma política de gestão, com a diminuição do investimento de recursos públicos no sistema educacional mineiro. Por tudo isso causa indignação e vergonha que, diante da situação da educação pública mineira, o Tribunal de Contas de Minas Gerais assine um Termo de Ajustamento de Gestão pactuando com o Governo do Estado de Minas Gerais a possibilidade de, nos próximos dois anos, não investir o mínimo de 25% em educação. A assinatura deste acordo isenta o Estado de sofrer qualquer penalidade por descumprir a Constituição Federal.

Mas a situação mineira é ainda mais vergonhosa: o estado não cumpre o investimento mínimo de 25% previsto na Constituição Federal há anos. O Tribunal de Contas e Ministério Público Estadual sabem desta prática.

A estimativa de impacto deste Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) no financiamento da Educação Básica Pública de Minas Gerais nos próximos dois anos é de cerca de 820 milhões de reais.
Analisando a prática do Governo mineiro, é possível identificar que o investimento real será ainda menor do que o divulgado, se consideramos que nos percentuais acordados de 22,82% para 2012 e 23,91% para 2013 estão incluídas despesas previdenciárias. Isso significa que parte do que o governo anuncia como investimento em educação não será destinado a esta função. Em 2008 39,3% dos recursos da educação foram para fins previdenciários, em 2009 39,2%, em 2010 foram 38,4% e em 2011 foram 41,8%.

De acordo com a Resolução 01 do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais  (TCEMG) qualquer órgão ou Poder pode assinar um TAG. Isso abre a possibilidade para que municípios também deixem de investir o mínimo previsto constitucionalmente, com o amparo do TCE MG. Também é possível que o TAG assinado entre o Governo do Estado seja prorrogado para além de 2014.

De acordo com relatório técnico do TCE, em 2008 foram R$ 2.434.843.581,44 de despesas computadas para a educação, mas na verdade foram para outros fins. Não poderiam ser computadas nos 25%, mas foram incluídos.

O mesmo parecer apurou que a participação das despesas com educação em relação às despesas fiscais do Estado passou de 19,36%, no exercício de 2003 para 12,54% em 2008.

Em 2009, ainda de acordo com relatório técnico do Tribunal de contas, o Estado declarou gastos com FHEMIG, na função saúde no montante de R$8.367.594,30, com a Secretaria de Cultura e Secretaria de Esportes e da juventude o valor de R$5.464.907,13 e despesas com Previdência Social no total de R$1.724.442.480,57 como se fossem com a Educação. O próprio TCE, em seu relatório aponta que “expurgando-se os valores mencionados, o Estado se torna inadimplente com a área da educação, despendendo 20,15%  dos seus recursos nessa área, abaixo, portanto, do mínimo constitucional determinado para os Estados.”

Em 2010, 38,42% (o que corresponde a R$2.743.181.227,74) do total de recursos que deveriam ser destinados à educação foram para despesas classificadas como outras, o que significa que não foi investido em nenhum nível da educação básica. Ainda, despesas com a cultura (valor de R$5.715.535,87), Desporto e Lazer: (valor de R$2.049.547,61), publicação dos atos do setor de educação na imprensa oficial: (no valor de R$2.415.332,00) e Previdência Social: (no valor de R$ 1.957.975.561,28) foram incluídos para que o Estado cumprisse o mínimo de 25%.

A participação das despesas com educação em relação às despesas totais do Estado sofreu diminuição, passando de 12,49% no exercício de 2006 para 11,58% em 2010.

Este é o choque de gestão de Minas Gerais. Agora, o Estado sequer tem o dever de cumprir a Constituição Federal e com a conivência de órgãos que deveriam fiscalizá-lo.

Beatriz da Silva Cerqueira
Professora e coordenadora geral do Sind-UTE MG